Por Paulo Pupo
No início do mês a TV Cultura, em seu noticiário noturno, expôs uma reportagem sobre o 'Bolsa Família', que chegava aos dez anos de existência e “entrava na segunda geração”. Logo em seguida desenvolveu-se um microdebate entre os comentaristas convidados, Ayrton Soares e Marco Antônio Villa, um a favor e outro contra. Achei que os argumentos apresentados refletiam uma controvérsia de âmbito nacional e eu, como talvez grande parte dos telespectadores, me senti tentado a opinar sobre o assunto, sem, entretanto, chegar a interagir com o noticiário via internet, como vários outros faziam.
Mas essa tentação ganhou força depois que vi, numa página do Facebook chamada “A Roça”, a foto de uma enxada golpeando a terra sob a qual se lia a seguinte frase: “Esse era o bolsa família de 40 anos atrás”. A foto, que inclusive compartilhei no meu próprio mural, trazia consigo dezenas de comentários, e os argumentos expostos eram mais ou menos os mesmos que eu havia visto na televisão, tanto favoráveis quanto contrários: que cria assistencialismo, que gera dependência, que acomoda, que petrifica a miséria ao invés de reduzi-la; ou então que distribui renda, que tira as crianças das ruas, que incentiva a educação na medida em que estimula as famílias a mandarem seus filhos à escola, afastando-os das drogas, da criminalidade, da violência...
E esse último tipo de argumento favorável, bastante frequente, aliás, é o que eu considero mais danoso nisso tudo. Não adianta estar na escola e ter frequência, escola não é reformatório; o que deveria ser um centro de educação e aperfeiçoamento intelectual torna-se meramente um artifício para aquisição de algum benefício imediato, material e palpável; como se a finalidade do saber fosse fundamentalmente a remuneração; como se o saber exigisse comprometimento com qualquer coisa que não seja ele próprio enquanto meio de engrandecimento da pessoa humana e, por extensão, da sociedade como um todo. Escola deve ser frequentada por gente que quer instruir-se, como instrumento de evolução e não como alternativa à ociosidade ou à criminalidade. Nesse caso, melhor seria atrelar o recebimento do 'benefício' ao cometimento de qualquer infração ou crime por parte de algum membro da família do beneficiário, incluindo ele próprio, que produzisse cancelamento imediato do mesmo caso tal coisa viesse a ocorrer.
Além do mais, aos que consideram que 'estar na escola pelo menos ajuda', penso ser evidente que os mecanismos de avaliação de rendimento são manipulados ou errôneos. Basta observar o que se passa pelo país. Estagnação da produtividade, aumento do consumo de drogas, da violência, da criminalidade, da violência da criminalidade... E isso partindo de jovens cada vez mais jovens... Tais coisas acontecendo, enquanto se discute inutilmente a questão da maioridade penal, são, a meu ver, um indicador de que nada do que está sendo feito pela educação está surtindo efeito.
E se o Bolsa Família já está entrando na segunda geração, essa constatação, por si só, já pode ser considerada como indício de que o programa é falho, ineficiente, no mínimo inútil. Pode até tirar o indivíduo da pobreza, mas não tira a pobreza do indivíduo. E acho até que é por isso que somos um povo pobre. Associamos riqueza a dinheiro, não a trabalho. O que provavelmente nos fará ruminar nossa pobreza por várias e várias gerações, ainda. O que nos fará continuar acreditando que pobreza se resolve somente com dinheiro.
* Paulo Pupo, professor de História
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